sexta-feira, 30 de abril de 2010

No meio do Caminho












No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha um pedro
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha um pedro no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra".

Carlos Drumond de Andrade










Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mário Quintana

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Soneto da Fidelidade

















De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Doce Recordação





Elle est éclose un beau matin
Au jardin triste de mon coeur
Elle avait les yeux du destin
Ressemblait-elle à mon bonheur ?
Oh, ressemblait-elle à mon âme ?
Je l'ai cueillie, elle était femme
Femme avec un F rose, F comme fleur

Elle a changé mon univers
Ma vie en fut toute enchantée
La poésie chantait dans l'air
J'avais une maison de poupée
Et dans mon coeur brûlait ma flamme
Tout était beau, tout était femme
Femme avec un F magique,
F comme fée

Elle m'enchaînait cent fois par jour
Au doux poteau de sa tendresse
Mes chaînes étaient tressées d'amour
J'étais martyre de ses caresses
J'étais heureux, étais-je infâme ?
Mais je l'aimais, elle était femme

Un jour l'oiseau timide et frêle
Vint me parler de liberté
Elle lui arracha les ailes
L'oiseau mourut avec l'été
Et ce jour-là ce fut le drame
Et malgré tout elle était femme
Femme avec un F tout gris, fatalité

À l'heure de la vérité
Il y avait une femme et un enfant
Cet enfant que j'étais resté
Contre la vie, contre le temps
Je me suis blotti dans mon âme
Et j'ai compris qu'elle était femme
Mais femme avec un F aîlé,
foutre le camp

sábado, 24 de abril de 2010












"Não permitas que ninguém negligencie o peso de sua responsabilidade. Enquanto tantos animais continuam a ser maltratados, enquanto o lamento dos animais sedentos nos vagões de carga não sejam emudecidos, enquanto prevalecer tanta brutalidade em nosso matadouros... todos seremos culpados. Tudo o que tem vida, tem valor como um ser vivo, como uma manifestação do mistério da vida."

(Albert Schweitzer)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A um Ausente




Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste

Carlos Drummond de Andrade